quarta-feira, 18 de março de 2009

As tronqueiras de Tarauacá por "Chagas Batista"

Estava no computador escrevendo um relato sobre a história do partido comunista do Brasil em Tarauacá, tarefa que me dispus a cumprir nesse momento de exílio temporário em Rio branco, fazendo um tratamento de saúde, um compromisso que, pelo fato da militância política vinha adiando e deixando em segundo plano. Estava viajando no tempo, lembrando das truculências que enfrentamos, dos sonhos embalados para varrer a opressão do nosso mapa. A televisão ligada, de repente, o apresentador da TV Globo fala uma palavra que interrompeu minha viagem ao passado.

A palavra pronunciada foi Tarauacá. Sem hesitar, vi que o assunto tinha tudo a ver comigo. Não existe outro Tarauacá no mundo, era mesmo sobre o Rio das ‘Tronqueiras’, era uma noticia sobre a nossa cidade. Em seguida vieram as informações: “o Brasil dos excluídos”, onde se encontram os menores índices de desenvolvimento humano do país. Quando foi aparecendo as imagens, o mercado Domingos Leite foi o cartão postal da cidade. Comecei sentir arrepios de tristeza e vergonha. O que existe aqui não é muito diferente da realidade cruel que vive o povo brasileiro em outros estados e regiões, uma herança desumana, alimentada secularmente pelas elites patrimoniais do Brasil. Agora, ganhar a competição nacional de indigência humana, ver nossa cidade sendo notícia dessa natureza é humilhante, desonroso, não dá para não ficar triste.

Perdi o sono pensando. Lembrei que quando comecei minhas andanças a mais de duas décadas pelos rios e igarapés de Tarauacá, ainda não existia o município de Jordão. Recordei-me de quando ainda jovem, saí junto com o seringueiro Zezé, em uma velha ubá, do seringal Boca de Pedra, nas cabeceiras do Rio Tarauacá, região hoje ocupada pelos índios arredios e vim até a boca do Murú. Foram 12 dias remando no sol e na chuva. Lembrei quando, exatamente 20 anos atrás, subi até o Jordão, junto com Di Brito, ex- presidente do PT de Tarauacá, para organizar a campanha de Lula a presidência de república, enfrentando ameaças dos coronéis em fim de festa.

Dessa época até aqui, muita coisa mudou no estado e no país, mas nessa região os ventos não sopraram na mesma proporção. As condições de vida da população de Jordão têm o tronco fincado em Tarauacá. No nosso isolamento e modo despudorado, patrimonialista, fisiológico e corrupto de governar.

Não é a primeira vez que somos manchete nacional da imoralidade. Poucos dias atrás o TSE divulgou dados, nos dando o título de vice-campeão de analfabetismo, baseado no quantitativo de votos nulos na ultima eleição. Tivemos 10% de votos nulos. Perdemos a eleição com uma diferença de 1%. A reportagem da Rede Globo, mesmo com todas as controvérsias, serviu para dar publicidade nacional, o que todos nós já sabíamos há muito tempo. Com bases nas estatísticas realizadas pelo IBGE, a mais de 20 anos, sustentamos os piores indicadores sociais da pátria.

Analfabetismo excessivo, precárias condições de atenção à saúde, moradia, saneamento, alimentação e baixa expectativa de vida. Serviu também para deixar os taraucaenses envergonhados e os corruptos comemorando. Eles sabem que estomago vazio e ignorância não resiste a uma esmola. Assim, vão poder continuar comprando votos, fazendo banquetes e orgias, assaltando a prefeitura e comprando fazendas. Mais grave, animam-se porque sabem que a repercussão da notícia em rede nacional vai render uma grana a mais para tirar proveito.

A injustiça e o sofrimento do povo na nossa região vêm de longe. Desbravado no inicio do século passado, Tarauacá é uma região da Amazônia isolada, que tem mais rios e riachos. Rios Tarauacá, Murú, Acuraua, Gregório, Liberdade, Tauari, Humaitá, Imboaçú, Joaci, Apuanã e Primavera, D’Ouro, Jaminawa, São Salvador e Jordão. Todos esses rios foram povoados de nordestinos para trabalhar no corte da seringa. Do período de ocupação até o final do século, mais precisamente inicio da década de 80, essa população vivia em uma situação de semi-escravidão. Só tinha direito de cortar seringa. Não podia plantar nem criar. Alem disso, era obrigado a “vender” sua borracha somente ao seringalista proprietário do seringal. Quem ousasse descumprir as ordens do barracão era expulso da sua moradia e ficava sem direito de arrumar colocação em outro seringal. A justiça servia fielmente os ditames dos coronéis de barranco.

Geralmente, os barracões ofereciam dois tipos de premiações que variavam entre incentivo e humilhação. Um relógio para o seringueiro que fazia maior produção e uma “calcinha” de mulher para o que fazia menos. Tarauacá era uma dos maiores produtores de borracha do Acre e da Amazônia. Somente o seringal Alagoas, localizado na divisa de Tarauacá com o Jordão, colocava mais de 500 seringueiros. Os seringalistas recebiam grandes incentivos, através de financiamentos no Banco da Amazônia. Altevir Leal, seringalista de Tarauacá na época, um dos maiores latifundiários do mundo, foi nomeado pelos militares Senador da República. Nabor Junior, também natural de Tarauacá, vem depois com grande força para ocupar, por mais de 30 anos, todos os cargos eletivos do estado. Os filhos dos seringalistas, todos estudavam em Manaus, Belém e Rio de Janeiro. Os filhos dos seringueiros que representava mais 80% da população, nenhum tinha escola.

Com a falência dos seringais da Amazônia, os seringalistas e o governo deixaram os seringueiros abandonados e passaram a investir na pecuária. Sem formação e conhecimento para desenvolver outras atividades econômicas, só restou dois caminhos para aqueles que foram os construtores de Tarauacá: virar agricultor de subsistência (mandioca, banana milho e arroz) ou vir mendigar na cidade. Terminou a era dos barracões, veio em seguida a redemocratização do país, permitindo maior liberdade de organização social e eleições livres, mas as políticas públicas locais implementadas não foram capazes de superar a herança perversa do primeiro ciclo de opressão.

O abacaxi de Tarauacá, ou melhor, o angu deve ser saboreado e digerido por todos nós. A Rede Globo, que denunciou essa situação, não está preocupada com a miséria e a exclusão social, pelo contrário, o que ela nunca quis nem vai querer é justiça social no Brasil. Nós é que precisamos tomar consciência que um novo Tarauacá não vai gestar no ventre infértil do conservadorismo político e da ganância. Depende da capacidade de organização popular de redirecionar a construção da nossa história. Não podemos desconhecer que vivemos nunca região que não tem um projeto de melhoria das condições de vida das pessoas. Não tenho dúvida nenhuma dos avanços e das conquistas democráticas e sociais realizadas nos últimos 10 anos pelo governo da Frente Popular e pelo governo Lula. Programas sociais, grandes investimentos de obras e infra-estrutura melhoram o padrão de vida da população e aquecem nossa economia. Os movimentos sociais também deram grandes contribuições na luta pela democratização da posse da terra, no processo de conscientização e na denúncia às injustiças, mas a ausência de um projeto local de produção e de inclusão social vem travando o desenvolvimento.

Volto a afirmar que as tronqueiras de Tarauacá têm a sua raiz no modo patrimonialista, fisiológico e corrupto de governar. Salvo raras exceções, os governos de Tarauacá só têm exercido o poder para enriquecer pequenos grupos e promover escândalos. Com isso, cria-se um clima de contínuo descrédito da imagem do nosso município e afasta os agentes e parceiros que podem ajudar. Tarauacá tem sim os piores indicadores sociais do estado. Analfabetismo, basta ver as estatísticas. Na zona rural a maioria das escolas está caindo, falta merenda, materiais didáticos e transporte escolar. Na atual gestão municipal, o número de criança fora da escola, repetência e evasão voltaram a crescer. Somos campeões de hepatites crônicas, desnutrição infantil e outras mazelas. Proporcionalmente, temos o maior déficit habitacional do estado e o maior número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza.

Essa situação tem responsável, com nome e endereço. A atual administração municipal nada tem feito para minimizar os problemas sociais, muito pelo contrário, só tem agravado ainda mais. Em mais de 4 anos, não criou um só programa social para a população da zona rural ou urbana. Quem anda nas ruas de Tarauacá e tem coração fica estarrecido com a quantidade de crianças pedindo esmola. Não construiu uma quadra de esporte, nem abriu uma única vaga de concurso público. Enquanto isso, o alcoolismo, as drogas e a delinqüência crescem como cogumelo após a chuva. Não construiu uma moradia, não distribuiu lote de terra para as famílias carentes, não fez um palmo de ramal ou de saneamento. Em contrapartida, no mesmo período, saiu da condição de detentor de uma moto velha e uma casa em construção, (conforme sua declaração de bens quando assumiu o cargo de 2005) para três Fazendas em Tarauacá e uma em Feijó. É um corrupto de alto coturno. Se a justiça quiser colocar numa cela no centro de reeducação Moacir Prado, não vai ter dificuldade, basta investigar seu patrimônio ou tirar das gavetas seus processos.

Os problemas que Tarauacá enfrenta em grande parte são de responsabilidade da justiça que não funciona, não age para intimidar a corrupção e resguardar os interesses públicos. Na comarca de Tarauacá existem mais de 5.000 mil processos tramitando. Tem um juiz e um promotor para Tarauacá, Feijó e Jordão. Uma justiça assim só interessa à corrupção e ao crime. Defender Tarauacá é tarefa de todos os taraucaenses. O Governo do estado e governo federal, nos últimos tempos, têm disponibilizado recursos importantes para nossa cidade, mas boa parte vem sendo desviados de forma criminosa por Vando Torquato.

No Acre, não há um lugar de um povo mais radiante, generoso, guerreiro e esperançoso. Não há um chão mais fecundo e propício. Uma floresta com rios e praias mais exuberantes. Só falta remover as TRONQUEIRAS.

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