segunda-feira, 30 de março de 2009

Aos 75 anos, cearense radicada no Acre diz que em sua casa não tem essa de bagunça


No jargão popular, “casa da mãe Joana” remete à um lugar bagunçado, onde tudo pode, todos mandam, onde não há respeito ou mesmo regras de civilidade. Mas na vida real, não é bem assim. Joana é uma mulher como outra qualquer e, como mãe, protetora e dedicada aos filhos. Na quinta-feira, a reportagem do Página 20 se deparou com uma mãe Joana que, além das qualidades citadas, ainda se apresenta como uma mulher que se dedica a dar conforto a filhos e netos muito depois de eles terem alcançado a maioridade e já poderem virar-se com as próprias pernas.

Dona Joana Fernandes do Nascimento tem 75 anos e é natural da cidade de Mecejana no Ceará. Veio para o Acre quando tinha apenas 15 anos, no ano de 1949. Com ela veio pai, mãe, irmãos, tios e todos os demais parentes. Vieram em busca das riquezas do Norte, fugindo da miséria do Sertão. Por aqui falavam que era fácil ficar rico, pois a seringa dava muito dinheiro. Dava, pois passada a Segunda Guerra Mundial, quando a demanda por borracha aumentou bastante, o preço da goma da hevea brasiliense decaiu no mercado mundial e os seringais acreanos começaram a entrar na bancarrota.

De acordo com dona Joana, na busca pela riqueza que ouvira falar morreu a maior parte de seus parentes. “Aqui no Acre ficou toda a minha família. Já morreu quase todo mundo, mas eu continuo aqui”, sorri a anciã como se debochasse da morte. No Acre ela casou e teve seis filhos, quatro deles ainda vivem em sua casa, uma humilde residência que lembra uma palafita, embora esteja encravada em um dos bairros mais populosos da cidade, no Seis de Agosto. O motivo é que a sua rua, a travessa Éden é uma das primeiras a alagar quando o rio Acre sobe.

Na sua simplicidade de mulher, dona Doana até bem pouco tempo não sabia porque passavam sempre em frente à sua casa e perguntavam em tom de pilheria: “Aqui é a casa da mãe Joana?”. Quando ela respondia que sim, os gaiatos saiam dando risadas. “Depois de um tempo foi que eu perguntei pros meninos aqui o que era isso e foi que me falaram que ‘casa da mãe Joana’ era assim um lugar bagunçado”, disse ela com um sorriso meio envergonho, como se debochasse da própria inocência. Mas quando perguntada se ficava chateada com as brincadeiras ela disse não e terminou por afirmar que até se diverte.

Dona Joana não sabe, mas, segundo o Dicionário Informal (www.dicionarioinformal.com.br) “a expressão ‘casa da mãe Joana’ alude a lugar em que se pode fazer de tudo, onde ninguém manda, uma espécie de grau zero de poder. A mulher que deu nome a tal casa viveu no século XIV. Chamava-se, obviamente, Joana e era condessa de Provença e rainha de Nápoles. Teve a vida cheia de muitas confusões. Em 1347, aos 21 anos, regulamentou os bordéis da cidade de Avignon, onde vivia refugiada. Uma das normas dizia: ‘o lugar terá uma porta por onde todos possam entrar’. ‘Casa da mãe Joana’ virou sinônimo de prostíbulo, de lugar onde impera a bagunça, mas a alcunha é injusta. Escritores como Jean Paul Sartre, em A prostituta respeitosa, e Josué Guimarães, em Dona Anja, mostraram como o poder, o respeito e outros quesitos de domínio conexo são nítidos nos bordéis.”
Na casa de nossa personagem atual nada do que consta nessa definição é válido. “Meu filho, se há uma coisa que gosto muito e de respeito na minha casa”, alertou ela logo de início.

Mas, verdade seja dita, na casa de mãe Joana da Seis de Agosto tem mesmo algo que lembra a “casa de mãe Joana” das afirmações populares. Mas não pela libertinagem ou pela falta de ordem ou outra coisa do gênero e sim pela alegria que o termo remete. A casa é simples, um lugar de gente pobre, como é pobre a maioria das pessoas que moram na periferia. O sorrido de Joana talvez seja o que a faz alegre para quem de longe a vê.



Mãe protetora
Com alegria mesmo é a forma como Joana fala dos filhos. Ela diz nem mais lembrar da idade de todos, mas sabe que quatro deles ainda precisam dela e, portanto, sempre estará disposta a ajudar, mesmo contando com poucos recursos. “Tem uma filha minha que já é casada e tem filhos. Ela mora comigo. Mora ela, os filhos e o marido. Ainda não conseguiram comprar uma casazinha e o senhor sabe como é, né moço? Fazer casa esses dias está difícil. Então eu ajudo.Aqui sempre cabe um e o que um come todos comem.
A mãe Joana ganha pouco. Ela vive de uma aposentadoria de um salário mínimo e com o dinheiro do salário do marido, Francisco Nogueira, de 56 anos. “É só nós dois”, lamenta ela.


O sonho de uma casa nova
Quem entrar na travessa Éden não terá dificuldades para encontrar a casa da mãe Joana. Ela se destaca pintada em azul forte. Está lá no alto, há cerca de uns três metros do chão e bem na sua cerca está a placa que indica o nome da rua. Em outras condições aquela seria uma casa valorizada, pois está bem em uma esquina movimentada. Mas quem conhece a Amazônia, seus rios e o que o regime das chuvas impõe à natureza sabe que ali é um lugar de risco. Quase todos os anos o rio sobe é a água vem bater no seu quintal. As vezes só de canoa é que se pode sair de lá.
“Sabe, meu maior sonho é vender isso aqui e ir para um lugar onde não alaga”, desejou Joana. “Mas enquanto isso não acontece, vou ficando por aqui, eu e minha reca, pois Deus sabe o que é melhor pra nós.”

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