segunda-feira, 8 de setembro de 2008

As coisas que Arnaldo Jabor não disse

Poucos dias depois de o próprio Arnaldo Jabor recusar a autoria de mais um texto que circula com seu nome por e-mail, o dito cujo chegou até mim. Ainda que eu seja grande fã do que escreve o Jabor, é difícil não simpatizar com alguém que é vilipendiado dessa maneira. Vamos a alguns absurdos do texto.
Brasileiro é um povo solidário. Mentira. Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida.
Acho justo dizer que o presidente Lula nunca priorizou a própria educação, mas isso é irrelevante aqui. Ele não foi eleito “por ter uma história de vida sofrida”, mas por fazer promessas populistas.
Pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua ao invés de cobrar do governo uma solução para pobreza.
Sócrates já dizia no diálogo platônico Górgias: é melhor sofrer a injustiça do que praticar a injustiça. A questão das esmolas divide os liberais: de um lado estão aqueles que vêem tudo do ponto de vista dos incentivos e de outro aqueles que acham que a caridade é parte importante de suas vidas particulares. Dou esmolas, mesmo que pague impostos: o ladrão levou 40% da minha renda, não 100%. Crer que o governo vá acabar com a pobreza algum dia (como se fosse apenas a questão de achar a política certa) é tão ingênuo quanto acreditar que o sistema carcerário possa tornar as pessoas melhores.
Aceitar que ONGs de direitos humanos fiquem dando pitaco na forma como tratamos nossa criminalidade...
Com ou sem antipatia pelas ONGs, se passarmos a acreditar que alguma parte da população ficou sem direitos humanos, nós é que viramos criminosos.
Uma coisa é dizer que o verdadeiro objetivo das ONGs é desagregar a sociedade. Outra coisa é abandonar os direitos humanos. Eles não são incompatíveis com o combate duro e implacável ao crime.
Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira.Brasileiro é vagabundo por excelência. (...)O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado ao ver um deputado receber 20 mil por mês para trabalhar 3 dias e coçar o saco o resto da semana, também sente inveja e sabe lá no fundo que se estivesse no lugar dele faria o mesmo.
Francamente, creio que todas as acusações genéricas podem ser voltadas contra quem as profere. Invejoso é o autor do texto.
Mas podemos dizer que existe um ressentimento justo em sua acusação. A verdadeira elite brasileira está em grande parte do funcionalismo público, cujo trabalho independe do mercado, isto é, independe de sua utilidade para outras pessoas.
A ineficiência e a inutilidade (a inexistência de demanda) de muitos dos serviços estatais gera a impressão de que o funcionalismo público é, em si, uma espécie de variante legítima do crime, com a ressalva de a barreira de entrada no funcionalismo é grande (concursos difíceis) e a de entrada no crime propriamente dito é menor.
Na verdade, o funcionalismo público se torna uma variante socialmente aceita do crime por causa do desejo de planejamento universal, e só pode ser sustentado na escala brasileira porque a maior parte do povo é extremamente trabalhador. E, voltando ao que disse, não se pode censurar o escravo por ressentir-se do senhor...
Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de 90 reais mensais para não fazer nada e não aproveita isso para alavancar sua vida (realidade da brutal maioria dos beneficiários do bolsa família) não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo.
Essa afirmação contém o mesmo erro da condenação das esmolas. Se vivêssemos num sistema perfeito em que a mendicância decorresse exclusivamente da vagabundagem, as esmolas seriam apenas um incentivo à vagabundagem.
Se o governo fica com 40% da renda, podemos dizer que, desses R$90, R$36 voltam para o governo na forma de impostos. R$54 num clima de insegurança jurídica quanto ao direito de propriedade realmente são melhor gastos pensando apenas no dia de hoje.
E, francamente, não parece insensato supor que num sinal de trânsito movimentado de qualquer metrópole brasileira se possa levantar o mesmo dinheiro em um único dia.
Brasileiro é um povo honesto. Mentira.Já foi; hoje é uma qualidade em baixa. Se você oferecer 50 euros a um policial europeu para ele não te autuar, provavelmente irá preso.Não por medo de ser pego, mas porque ele sabe ser errado aceitar propinas.O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado com o mensalão, pensa intimamente o que faria se arrumasse uma boquinha dessas, quando na realidade isso sequer deveria passar por sua cabeça.
Bem, isso é puramente imaginário. Com todo o respeito, creio que há policiais na Europa que aceitam propinas, assim como há os que não aceitam. O bem e o mal no mundo não correspondem à Europa e ao Brasil.
Uma coisa, também, é dizer que todos pensamos no que faríamos se ficássemos subitamente ricos ou arrumássemos “uma boquinha” legítima – uma herança, rendas etc. Isso parece verossímil. Mas nem todos os brasileiros têm a ambição de ser corruptos. Se realmente a maioria das pessoas desistisse da honestidade, não haveria governo hobbesiano que chegasse para manter a ordem, e isso mantendo o pressuposto absolutamente miraculoso de que os agentes da lei e da ordem nunca seriam eles mesmos corruptos.
Precisamos, isso sim, de um sistema jurídico que permita que o trabalho honesto colha seus frutos em vez de vê-los roubados por planejadores centrais com belos pretextos.

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