quinta-feira, 5 de novembro de 2009

AO MEU PAI, JOSÉ MASTRANGELO


*Por Marcela Mastrangelo

Vamos começar uma viagem no tempo. Tudo começou num pequeno vilarejo no Sul da Itália, Coregia. Era uma bonita manhã de domingo, fim de inverno e começo de primavera, fim da 2º Guerra Mun-dial. Em 11 de março de 1945, nascia um bebê robusto, com quase cinco quilos, com uma cabeça avantajada, dando muito trabalho para o parto de sua mãezinha. Nesta manhã, nasceu José Mastrangelo (Giuseppe Mastrangelo-"foto"), apelidado, carinhosamente em sua terra, de "Pepino" (Zezinho).

Teve uma bela infância. Entre muitas frutas e verduras (ele gostava muito de se alimentar) e "danadices" de um menino inteligente, ele, desde cedo, olhando o mapa mundi, disse que, um dia, iria conhecer a Amazônia, pois lá deveria ser um lugar bom para se morar, porque era calor.

Aos 12 anos, foi para o colégio interno, onde estudou a juventude inteira e, aos 27 anos, já era Doutor naquilo que tinha se proposto a estudar, a Teologia e a sociedade e suas relações.

Quando chegou o momento de prestar o serviço militar, optou pelo trabalho voluntário num país de Terceiro Mundo ou em Desenvolvimento, como prefiram falar, só que esse país era o Chile. Porém, após 11 dias no navio vindo da Itália, aportou no Rio de Janeiro e decidiu: "é aqui que eu quero ficar". Foi desenvolver trabalhos comunitários na favela Jacarezinho. Em viagens a São Paulo, conheceu Dom Moacyr e, quando soube que este morava na Amazônia, não titubeou: "quero conhecer a sua terra". Era o Acre... Ah, que bonito!

Seu sonho de menino havia se concretizado. Ele conheceu a Amazônia, e logo, logo, começou a desempenhar diversas atividades na sociedade acreana, entre elas, a paixão de sua vida: lecionar, ensinar, abrir mentes, fazer conhecer.

Foi nesta que conheceu Ocidéa Mastrangelo, filha da terra, sua aluna. Namoraram dois anos, e ele, já não querendo mais ir embora daqui, casou-se com ela em 30 de julho de 1978. Querendo muito ser pai, a princípio de 12 filhos (!), teve Marcela (eu), em 1980; João Paulo, em 1982, e José, em 1984. Mesmo meu pai discordando, minha mãe decidiu que estava bom três filhos. E, enfim, só foram esses três filhos que tiveram a sorte de ter um pai querido, bondoso e feliz em suas vidas.

Tudo que quis nos deixar de herança, ele conseguiu com êxito: cultura, amor pela arte (música, livros, culinária, e etc...), estudos, viagens. Ah, como eram deliciosas nossas viagens pelo mundo!

José Mastrangelo era um homem apaixonado pelo debate, pela discussão das idéias, pelo fomento à participação de todos e, principalmente, pela inclusão de todos na sociedade. Era emblemática a forma como, em seus discursos (e, agora, relendo seus escritos, confirmei), ele tinha sempre a mesma razão, o mesmo propósito: alertar sobre a coerência, sobre ensinamentos cristãos, sobre amor ao próximo.

Nos diversos papéis que atuou em sociedade, inclusive o de professor (no qual eu também tive a oportunidade de conhecê-lo, já que fui sua aluna), podem ter certeza de que nenhum ele desempenhou com tanto amor e respeito quanto o de pai. Ele foi e sempre será um grande e bom pai.

Nunca gritou, nunca reprimiu, nunca bateu, nunca trouxe desgostos, muito pelo contrário, sempre conversou, olhou, cuidou e deu mil razões boas de nos orgulharmos de sermos seus filhos.

Quando queria chamar a atenção para alguma coisa em nossas vidas, fazia de sua forma sábia e inteligente (como não poderia deixar de ser), mostrando artigos, livros, fazendo um comentário vago, porém sempre perspicaz. Nós já sabíamos que aquilo era uma "indireta" para revermos, ou melhor, vou usar a palavra que ele adorava dizer: para "refletirmos" sobre nossas ações e pensamentos. Apesar de ser um homem público, conversador e questionador, na intimidade, meu pai era discreto, não gostava de grandes badalações. O seu lar representava o lugar do repouso, o refúgio de um guerreiro e, acreditem, o lugar de suas reflexões mais profundas. Ah, como ele adorava refletir e, nós quatro, filhos e esposa, quando víamos que ele estava no seu momento de "debate inte-rior", respeitávamos e acolhíamos o seu silêncio.

As lembranças são tantas, inúmeras, lindas e felizes, mas o concreto, hoje, é que nós, os frutos, nos sentimos abençoados e agradecidos por sermos parte de uma história de um homem que sempre colocou o interesse do coletivo acima do interesse particular. Ele almejava, aliás, vou usar novamente um termo dele: "sonhava" com uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária, na qual as pes-soas pudessem ter condições de correr atrás do pão de cada dia, sem guerra, com paz, com a justiça e a condição de que somos todos irmãos.

Hoje, minha mãe sofre, mas sempre enaltece que viveu dias maravilhosos com o seu companheiro. Com esse homem que era tão apaixonado pela vida, por viagens, pela leitura, pela arte de ensinar e, é claro, como bom italiano, pelo seu time do coração, o Juventus. Aliás, ele gostava de esportes em geral.

Domingo era o dia. O dia de se sentar no seu sofá (o mesmo no qual ele partiu...), e assistir a toda programação de esporte. Domingo era o dia de ler seus jornais e revistas e de receber seus queridos netinhos, Giovanni, 4 anos, José, 2 anos, e Pietro, 7 meses, a quem ele amava incondicionalmente, com tanto cuidado e respeito quanto demonstrou pelos filhos.

Porém, na manhã do último domingo, 25 de outubro de 2009, dia do aniversário de seu papai Giovanni (meu avô), que também não está mais conosco, José Mastrangelo, meu pai, fez uma viagem. O lugar para onde ele foi, ah, esse não posso falar ainda como é. Mas, pelas suas ações, acredito que ele foi para um lugar lindo, cheio de luz. Penso nele e já o vejo num círculo de pessoas, debatendo, questionando, observando e falando de coisas boas e solidá-rias. Com um sorrizinho no rosto, feliz pela sua grande atuação no palco da vida.

Onde você estiver, papai, obrigada por tudo, obrigada pelo grande e bom pai que você foi e pelos ensinamentos de amor e respeito ao próximo que você nos deixou.

*Marcela Mastrangelo é socióloga e bacharel em Direito, filha do saudoso intelectual José Mastrangelo.

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