Os votos de castidade enlouquecem os sacerdotes católicos.
No velho colégio de padres onde estudei, a entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia. O padre reitor - ahh...tempos antigos de batinas negras, rosários nas mãos, panos roxos nos ombros, tristeza infinita nas clausuras - postava-se imóvel, na porta do colégio, numa pose paternal e severa, com os braços erguidos e as mãos oferecidas para os alunos que chegavam. Passavam por ele duas filas de dezenas de meninos, beijando servilmente suas mãos abençoadas. Havia algo de veadagem naquilo, aquela negra batina imóvel, divina, como um manequim, as mãos beijadas com chilreios e devoção por mais de quinhentos meninos de calças curtas. Eu ainda me lembro do vago cheiro de sabonete e cuspe no dorso cabeludo da
mão do padre. Centenas de meninos de pernas nuas eram pastoreados por tristes noviços e "irmãos leigos". Só se pensava em sexo naquele colégio. Eu via as mães dos alunos, lindas, com seus penteados e decotes imitando a Jane
Russel ou Ava Gardner, fazendo charme para os padres na força de seus verdes anos, enlouquecidos pela castidade obrigatória. E eu me perguntava: "Meu Deus...por que padre não pode casar?" Lembro-me do tremor dos jovens
padres, excitados pelas madames pintadíssimas, indo se trancar em negras clausuras, entregues ao "vício solitário", indo depois bater no peito e chorar sua culpa diante das imagens silenciosas.
E esses mesmos padres nos diziam: "Cada vez que você se masturba, morrem milhões de pessoas que iam nascer. É um genocídio!". E nós, além do pecado, sofríamos a vergonha de ser pequenos "hitlers" de banheiro. Eu pensava: "Por que tanta onda sobre nossos pobres pintinhos, por que essa energia que sinto em minha carne é feia, criminosa?" Vivíamos ajoelhados em confessionários, ouvindo envergonhados a voz e o hálito do triste sacerdote nos sentenciando a dezenas de "ave-marias" e "padre-nossos".
Tudo era sexo no colégio; essa palavra terrível estava em toda parte, como uma ameaça vermelha; o diabo nos espreitava até detrás das estátuas de Santa Tereza em êxtase, nas coxas dos anjinhos nus, nos seios fervorosos das beatas acendendo velas.
A pedofilia na igreja é consequência direta do celibato. É óbvio que se a força máxima da vida é esmagada, a igreja vira uma máquina de perversões.
Claro. E de homosexualismo, visível em qualquer internato religioso. Outro dia, o Contardo Calligaris escreveu com precisão que a pedofilia não está só na carne do jovem assediado; a pedofilia é mais geral, abstrata, no prazer do domínio sobre os mais fracos, na pedagogia infantilizante das jovens "ovelhas" - como nos chamam os pastores de Deus - imoladas em sua
inocência.
Eu vi o diabo naquele colégio: rostos angustiados, berros severos e excessivos nas aulas, castigos sádicos, perseguições a uns e carinhos protetores a outros.
Eu mesmo fui assediado por um padre famoso (que muitos colegas meus da época se lembram) que era notório comedor de menininhos; ele fazia mágicas e teatrinhos, para ser popular entre os meninos e, um dia, tentou me beijar num canto da clausura. Criado na malandragem das ruas, fugi em pânico. E falei disso em confissão com outro padre, que mudou de assunto, como se fosse uma impressão minha, como se a pedofilia fosse uma prática necessária à manutenção do celibato, exatamente como os cardeais americanos estão fazendo hoje. O problema da igreja com o sexo leva-a a uma compreensão quebrada da vida, leva-a a aceitar a Aids, a condenar o aborto, o controle social da natalidade e a outros erros maiores - superestruturas desta falência originária, desse vazio fundamental.
Lembro-me da descrição da eternidade no inferno, onde queimaríamos para sempre, sob o garfo dos diabos, condenados por uma reles punhetinha:
"Imaginem que o planeta seja um grande diamante, o metal mais duro do universo. De cem em cem anos, um passarinho vem voando e dá uma bicadinha na Terra. O dia em que toda a Terra for esfarinhada pelas bicadinhas, esse é a duração da eternidade" . E eu sofria, me esvaindo nos banheiros, pensando naquele passarinho que bicava o mundo, enquanto eu acariciava o outro medroso passarinho se preparando para uma vida de traumas e medos.
O prazer era um crime. A partir daí, tudo ficava poluído, manchado de culpa; a alegria virava falta de seriedade, a liberdade era um erro, as meninas eram seres inatingíveis com seus peitinhos e bundinhas. Até hoje, vivo dividido entre as santas e as "impuras"; quantas dores senti na vida pelo cultivo destes ensinamentos, que transformava as mulheres em perigos horrendos, "Liliths" demoníacas, tão ameaçadoras quanto o imenso desejo que tinhamos por elas. A mulher, como Eva, era a origem de todos os males.
Delas saía a vida e a morte, delas saía o prazer pecaminoso, o mal do mundo.
Esta base criminal gera desde a "burka" até o "striptease", numa antítese simétrica.
Hoje piorou. O mundo virou uma incessante paisagem de bundas e seios nus, de pornografia na publicidade, que nos espreita no trânsito, nas ruas, na TV. Já imaginaram esses padres vendo a Feiticeira e a Tiazinha, de terço na mão, trancados em escuras celas, sob o voto de castidade? Essa é a minha idéia de inferno.
Uma das grandes desvantagens da igreja católica diante de outras religiões é o celibato. Daí, em cascata, surgem problemas que justificam a queda do prestígio da igreja na era do espetáculo e da desconstrução de certezas.
Rabinos casam, pastores protestantes casam. Budistas "do it", xintoistas "do it", indis "do it', mesmo muçulmanos "do it". "Let's do it", pobres padres trêmulos de desejo, no meu remoto passado jesuíta e no presente do sexo massificado.
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